22 de ago. de 2013

no quarto 17 - parte II.

bom, estava feito.
o jeito era abraçar o capeta e usar o que tinha nas mãos.

fizeram exame de sangue, mediram temperatura, pressão. todo mundo me parabenizando, perguntando que horas seria a cesária. "vai ser normal". as reações variavam entre me chamar de corajosa e contar histórias de partos normais mal sucedidos.
que belo incentivo!

me levaram pra salinha de cardiotocografia.
ela estava cheia de mulheres com o semblante cansado, algumas contando que estavam ali desde sei lá que horas (já era quase 7 da noite) esperando uma ultrassonografia. a enfermeira que colocava as cintas do aparelho de cardiotoco em mim comentou que "o pessoal da ultra" já tinha ido embora. uma mini revolta.
eu tentava me manter calma.
me lembrava das histórias de mulheres que fugiram do hospital durante o trabalho de parto. pensei que seria bom eu ter um "plano de fuga" hah.

tudo bem com o coração do bebê, tudo bem comigo.
voltei pro quarto e me senti DESOLADA. era essa a palavra. até então estava sozinha, moisa havia voltado pra casa pra tomar banho, jantar e arrumar suas coisas pra passar a noite no hospital comigo.
os momentos de felicidade eram quando eu sentia alguma contração. pelo menos o trabalho de parto estava querendo evoluir.

pouco além das 9 da noite, recebi a visita da minha mãe e irmã. contei o tempo das contrações e estavam vindo de 10 em 10 minutos.
a coisa tava progredindo :)

elas saíram, liguei o som do ipad numa lista das minhas músicas favoritas.
renata chegou pra ver como eu estava e junto trouxe uma térmica com chá da naolí.
tomei aquilo por um bom tempo. era gostoso, um "amarguinho" misturado com o sabor do chocolate. além de esquentar o corpo no frio que fazia.


por volta das 11, fui novamente fazer cardiotoco.
agora a salinha estava vazia, apenas uma moça tomando soro. as contrações continuavam ritmadas e doloridinhas, mas nada que eu não aguentasse.
uma hora, a moça tomando soro puxou assunto. ela estava ali porque havia perdido o bebê de 8 semanas. estava na ocitocina sintética pra expelir o que um dia seria um bebezinho. via muita tristeza em seu olhar, sua voz.
não pude deixar de me lamentar por aquela situação: nós duas, sob efeito do mesmo hormônio, porém com desfechos diferentes.

então a renata foi embora, moisa voltou e fomos dormir.
havia baixado um aplicativo no ipad para contar as contrações. passei a noite inteira abraçada naquilo. a cada onda que vinha, marcava seu início e seu fim.

foi sorte minha ter passado grande parte do trabalho de parto à noite. pouca gente no hospital, quase ninguém sabia que lá havia uma "louca" dilatando no quarto, com o marido dormindo na cama ao lado. sempre vinham medir pressão, temperatura. perto da uma da manhã, outro cardiotoco. dr. rudey apareceu pra dar uma olhada, descabelado, cara de sono. outro golpe de sorte: era ele o plantonista naquela noite. aliviou um pouco quando avisou o enfermeiro bem-humorado que o próximo só às 5 da manhã.
eu precisava dormir.

deu pra descansar. mas não foi um sono tranquilo, como mostra o histórico das contrações. os espaços grandes entre elas são causados ou por exames ou por amandinha caindo no sono assim que a contração ia embora e esquecia de apetar o "stop".
passei a noite bem. a regularidade e o aumento da intensidade das contrações me deixavam feliz. via que a coisa engrenou de vez, que apesar do medo, seu curso natural estava correndo.

o dia amanheceu.
contrações mais doloridas, intervalos menores. renata chega com sua tralha e mais uma térmica de chá, pra aquecer o corpo e a alma.

às 7 da manhã, mais de 12 horas depois da entrada no hospital e 24 horas depois da bolsa ter estourado, o médico vem me avaliar novamente. nessa hora eu tremi. medo de não ter dilatado nada, medo de ter passado por tudo em vão, medo que puxava medo.
mas daí a surpresa: 7 centímetros!
sete :)
SETE!

sorri. respirei aliviada.
estava chegando a hora.


s-e-t-e ^^

18 de ago. de 2013

no quarto 17 - parte I.

na semana que o autran nasceu eu só pensava numa coisa: em como seria ruim se ele nascesse e o moisa não estivesse perto. o combinado era eu avisar assim que sentisse os primeiros sinais, ele pegaria a estrada e viria ao nosso encontro.
todos sabemos que parto é demorado, então daria tempo de sobra.
na semana do nascimento havia um feriado pelas bandas de cá. moisa aproveitou e foi passar uns dias com a gente.

***

na manhã do dia 25/07 eu acordei às 7h30, com uma sensação de molhado lá embaixo.
a primeira coisa que pensei foi: merda, era só o que me faltava! mijar nas calças!!. a segunda coisa que pensei foi que havia dormido a noite inteira, sem levantar pra beber água, ou fazer xixi, ou reclamar de dor, ou me contorcer pra mudar de posição.
me levantei da cama e senti mais águinha saindo. minha bexiga deve estar estourando mesmo, pra sair xixi descontroladamente assim.

sentei na privada, bexiga esvaziada, tudo ok.
quando me levanto, mais água escorrendo pelas pernas. sem cor de xixi, sem cheiro de xixi, sem "textura" de xixi. gente, isso não é xixi!
fico mais um tempo parada, em pé, vendo o líquido sair sem que eu pudesse controlar.
é, minha bolsa estourou!

sorri, soltei gritinhos, dei pulinhos (quase) e fui tomar banho. um banho quente, naquela manhã fria. no chuveiro minha cabeça estava a mil. pensava que lá se foi a possibilidade do autran nascer empelicado, em como o bebê esperou o pai estar perto pra nascer, em como tudo fica mais complicado quando a bolsa estoura antes do trabalho de parto, em organizar todas as informações que tinha coletado nos últimos meses e agir com tranquilidade.

saí do banho, coloquei uma toalha no melhor estilo "fralda", mandei uma mensagem pra renata (doula) e fui dormir.
quando acordei novamente, era hora do almoço. sentia pródromos bem de leve.
já haviam se passado 5 horas desde que a bolsa tinha rompido, contei pro moisa e pra minha irmã mais nova. eles ficaram apreensivos, enquanto eu curtia cada ondinha de dor, fazendo comida, assistindo tv. era ótimo sentir meu corpo trabalhando.
depois do almoço, tirei um mega cochilo até umas 3 da tarde.

bom, 8 horas de bolsa rota. hora de avisar o médico.
liguei pro consultório, ao invés do celular: "oi cecília, é a amanda :) então, minha bolsa estourou hoje de manhã... dá pro dr. me avaliar rapidinho agora?"
a secretária exclamou minha calma, pois geralmente as ~gravidinhas~ correm pro consultório desesperadas...
eu fui tomar outro banho, trocar de roupa, arrumar minha mala e seguir o conselho de ir "pronta" pro consultório.

não me sentia bem naquela movimentação toda.
nem estava em trabalho de parto efetivo ainda... pra que correr?

na salinha aquecida, recebi o primeiro exame de toque de todo meu pré-natal. nenhum centímetro dilatado.
me sentei na frente dele, com minha filha ao lado, meu marido em pé, atrás de mim.

"eu trabalho com medicina baseada em evidência, vou te explicar o que posso e não posso fazer, vou te dar opções do que você pode fazer e, se quiser, te dou minha opinião"
(médico humanizado é outra história, não?)

o "medo" de infecção e a necessidade de um certo monitoramento me fez dizer sim à internação imediata. estava relutante, mas disse sim.
saí do consultório com uma guia de internação, pedido de cardiotoco e ultrassonografia para ver o líquido (guardem esse detalhe!).
não... não era assim que eu queria!
liguei pra renata (doula) avisando o curso das coisas e senti preocupação em sua voz.

estacionada em frente à casa dos meus pais, chorava a decepção de começar tudo errado.
moisa colocava as malas no carro, luana se despedia de mim, enquanto eu via meus planos de parto natural irem correnteza abaixo.
era clássico: internação prematura = cansaço de equipe e parturiente = cesariana.
o próprio médico tinha me aconselhado a só ir pra maternidade com o trabalho de parto bem avançado, "pra ninguém ficar te enchendo o saco".

mas né... vamos lá.
passei por toda a burocracia de plano de saúde, libera isso, libera aquilo, assina aqui e ali e a notícia: não havia apartamento disponível. tinha que ter reservado antes... mas como reservar um quarto num hospital pra um parto normal, keridinha? salva de palmas pras cesáreas eletivas.
a saída foi "fechar" uma enfermaria só pra mim, até que um apartamento ficasse vago.

enquanto esperava, as dores iam e voltavam. sentia o incômodo do líquido. sentia dores nos quadris. sentia tristeza. não queria que fosse assim. não queria.

queria passar os pródromos dormindo em casa, passar para a fase latente no colo do moisa, receber a renata durante a fase ativa, usar e abusar do chuveiro maravilhoso da casa da minha mãe. queria andar pelo quintal, queria que minha filha estivesse perto e visse que trabalho de parto não é só dor e sofrimento. queria usar o contador de contrações do ipad junto com minha família.
mas não, estava sentada na sala de espera da maternidade.

às 17:30 estava instalada no quarto 17.
em frente ao berçário, ao lado do centro cirúrgico.

e nem sinal do trabalho de parto.

no quarto 17 - pré-relato de parto.

sempre que me perguntam como foi meu parto, eu respondo: "foi intenso".
simplesmente não consigo pensar em nenhum adjetivo melhor que esse.

***

já havia falado um pouco aqui sobre minha escolha de ter um parto natural. mas jamais falei da mini odisseia que foi conseguir ter um. até tentei, mas o post ficou tão grande e tão cheio de digressões que desisti. simplesmente não consigo por numa ordem "cronológica" minhas ideias, como e quando tudo começou.
fato é: eu quis um parto natural. e fui atrás.
corri de médicos, fiz muita cara de alface, chorei muito (durante o banho, no colo do moisa, nos grupos do facebook) e li. li muito. li tudo sobre parto, sobre fisiologia do parto, matérias, estudos, artigos, até aulas cheias de termos médicos. li relatos, discussões... tudo que eu tinha era determinação e informação.
pra mim, era o suficiente.

***

comecei o pré-natal na cidade onde moro.
havia decidido a fazer o parto em outra cidade, maior e mais conhecida por mim. portanto, naquele momento, não me importava muito com as consultas-relâmpago que seguiam o script vê exames, pesa, mede pressão, tá tudo ótimo, até mês que vem. não duravam nem 10 minutos.
senti a necessidade de trocar de médico quando, num momento inédito de diálogo, comentei que minha primeira gestação tinha durado mais de 40 semanas. o senhorzinho japonês e sistemático, com fama de parteiro, rebateu com "não precisa esperar tanto assim". se ele, que tinha fama de só fazer parto normal, pensava dessa forma, imagina o resto...
era o sinal. se eu queria mesmo parir, precisava correr.
e fui, de consultório a consultório, de frustração a frustração, até cair na sala quentinha do dr. rudey.

***

entre a procura e o achado, contratei uma doula. a minha se chamava renata.
sabia da importância, sabia que sozinha não aguentaria.
precisava de uma referência, de um colo pro mimimi gravídico-ativista, de leituras e de alguém calma e com experiência ao meu lado.
toda grávida precisa, na verdade.
doula não faz só massagem e segura sua mão. ela te guia quando você não acha seu caminho.

***

viajei mais de 300 km pra consultas e exames. todo santo mês.

quando a luana entrou de férias escolares (11/07), me instalei na casa dos meus pais sem previsão de retorno. minha DPP (data provável do parto) era dia 21 de julho. mas eu estava careca de saber: pode vir antes, pode vir depois, muito depois. dpp não é data de validade.
e esperei, calmamente. inchada. cansada. exausta. dolorida.
minhas noites eram em claro, com uma dor terrível no quadril e virilha.

o tempo passou, dia 21 passou e nada.
moisa teve que voltar pra casa, pro trabalho. eu e luana ficamos na espera.
chegou a semana mais fria do ano, neve em algumas cidades e eu só pedia pro meu bebê aguardar mais um pouquinho, seria ruim demais ele chegar naquele frio, pra nós dois.

ele foi bonzinho e obedeceu.
mas não por muito tempo.