24 de ago. de 2013

no quarto 17 - parte IV.

o banho vinha a calhar.
eu me sentia muito cansada fisicamente. por mais que tivesse comida à minha disposição o tempo todo, eu não sentia fome.
bebia bastante água, chá, mas nada sólido.
em vários momentos, sentada em cima da bola, entre o intervalo das contrações, eu "pescava", até cochilava.
estava exausta, mas não pensava em desistir.

eu não sei quanto tempo fiquei debaixo do chuveiro.
só sei que chorei minha alma debaixo dele.
chorei alto, solucei. chorei como não chorava há muito tempo na minha vida.
chorei tudo que tinha segurado durante a gravidez inteira. cada nó engolido em cada diálogo infrutífero, em cada sala de espera, em cada frustração.
chorei o que tinha segurado a vida inteira, talvez.

conversei com meu bebê. de um modo doce, depois de um modo agressivo. disse palavrões. ameacei (HAHAH) caso ele não saísse de lá. depois me arrependi e pedi ajuda a ele. vamos, nós dois, juntos. a gente consegue. fiquei chorosa, perguntei por que tudo aquilo, por quê. pedi por favor. implorei.

fiquei de cócoras, de quatro, de joelhos.
não fiz a auto análise que a renata sugeriu. se fiz, minha mente fez questão de bloquear. ouvia vozes que vinham do quarto, mas bem de longe. tipo ruídos humanos. parecia que eu estava em outra dimensão.
se estive na partolândia, a minha foi muito obscura.
entrei em transe. o choro compulsivo, o o que está acontecendo comigo, a falta de respostas.

estive a ponto de desligar o chuveiro quatro vezes. daí pensava que precisava de mais tempo. mais água quente. mais banho e deixar escorrer pro ralo tudo que não prestava.
uma vez li uma menina falando do poder da água. ainda que tratada, encanada, aquecida eletricamente, ela faz um bem danado.

saí, me enxuguei lentamente, me enrolei num roupão e voltei pro quarto.
dr rudey estava lá.
ainda não tinha a resposta do que estava me travando.

o momento era difícil.
eu não pensava em desistir, não passou pela minha cabeça pedir anestesia. apenas tinha medo daquilo se estender por tempo demais.
a vocalização da dor passou a ser grito mesmo.
nessa hora, minha mãe entrou no quarto.

engraçado o timing da minha mãe.
ela falou, desde o primeiro momento que ficou sabendo dos meus planos de parto natural, que não ficaria comigo. não iria e ver sofrer. e ela aparece justo na hora mais hardcore. a abracei, chorei no seu ombro, falei que a dor era demais. ela segurou o choro e disse "é assim mesmo, dói mesmo..."

pedi pro médico ver se tinha tido algum progresso.
e então a magia - ou bruxaria - aconteceu: sim, houve progresso. 8 pra 9 cm.

muita contração, choro, grito, agacha, levanta.
quando vi, estava fazendo força.
sentei na banquetinha de parto. era a reta final.
o médico se sentou na minha frente. tudo que ele tinha que fazer era esperar.


é incrível.
a vontade de fazer força simplesmente vem. é incontrolável.
dizem que não fazer força é melhor, preserva mais o canal da vagina e o períneo, é mais suave pro bebê. mas eu não consigo imaginar não fazer força. é fisiológico. é como um reflexo.
fiz MUITA força. suava. um paninho apareceu nas minhas mãos (depois descobri que foi minha mãe que me deu). secava o suor. apertava na hora da força.
minha mãe teve que sair, voltar pra suas obrigações.
e eu sentia o bebê descendo, e depois voltando quando parava de fazer força.
olhava desesperada pra renata, reclamava que parecia não adiantar, que o bebê voltava, que não tava dando certo. ela pedia calma, era assim mesmo.
e era. eu sabia disso.

uma hora, durante a força, coloquei a mão lá embaixo. senti a cabeça do bebê pouco depois do primeiro nó do dedo indicador.
estava saindo. mas minhas forças estavam no fim.
senti uma ardência. gritei: "TÁ QUEIMANDO!". foi um grito eufórico. é o famoso círculo de fogo, quando a cabeça do bebê começa aparecer.

eu não tinha mais energia.
estava esgotada.
a banqueta não estava confortável, não estava rolando.
me sugeriram outra posição. renata lembrou de uma que eu tinha gostado muito, de quatro em cima da cama, com o tronco apoiado na bola. subi na cama e, do nada, deitei de barriga pra cima. me senti incrivelmente bem. pedi pra inclinar bem a cabeceira e fiquei "semi sentada", meio recostada.

força. força. força.
mal conseguia recuperar o fôlego. insistiam na respiração.
força. força. força.

nessa hora, eu já não sentia mais dor. eu sentia a contração vir, a barriga ficar dura, e o puxo.
os gritos de incentivo.
uma dor "quente". a cabeça saiu.
vai, amanda! mais três forças e ele nasce!.
fechei os olhos e fiz as maiores forças que era capaz.

então, senti aquela coisa quente escorregando de dentro de mim.
alívio.
silêncio.

pude ouvir a voz de andrew stockdale.
ah aaaah / and i believe that love is gonna last forever...
(o ipad ainda estava ligando, tocando as minhas músicas favoritas).

um gritinho. gritinho de bebê.

só então eu abri os olhos.
meu filho nasceu.
eu consegui.