26 de ago. de 2015

a odisséia.

o itinerário era simples: banco e correio.
uma saída rápida, no meio da manhã, pra tarde poder ficar entre colos, just dance e trabalho sobre a situação sociolinguística do paraguai.
pus autran no carro e fomos.

aquela coisa de nunca achar estacionamento e de, quando achar, não ser capaz de fazer a baliza.
apelei pro estacionamento em diagonal e, pro meu azar, era bem em frente ao parquinho que costumo levar o autran aos domingos. droga. ele começou a gritar de felicidade dentro do carro, jogou o bichinho vesgo que ele carrega pra todo canto no chão e quis sai pulando. "não filho, hoje não... mamãe tá com pressa... hoje não dá". peguei ele no colo e atravessei a rua, na direção oposta do parquinho. daí começou a gritaria.
quem já carregou toddler de dois anos gritante e esperniante, em pleno chilique, na rua, sabe do que eu tou falando.

entrei na agência e ele se acalmou. começou a correr pra todo lado, pulando, gritando. mudou da água pro vinho. atualização do sistema e me deixam UM caixa disponível pra saque durante a manhã de um dia útil, claro que a fila era imensa. deixei o menino se divertir.
pegou um envelope de depósito, sentou no chão e começou a rasgar em tiras finas. é ele treinando a coordenação motora fina, que bonitinho. daí pegou outro. e depois outro. no quarto eu já não achava tão bonitinho. juntei o montinho de tiras rasgadas bem fininha e trouxe ele pra perto de mim.
ele voltou a pular e correr.
chegou perto de uma moça que estava pagando contas e simplesmente pegou a carteira dela de cima do apoio no caixa eletrônico. corri.
peguei ele no colo.
era quase a minha vez.

a moça que ajuda o pessoal perdidão lá nos caixas eletrônicos me perguntou se podia passar na minha frente pra imprimir seilaoque-é-rapidinho. "não, não pode. só vou sacar, é mais rápido ainda". porfa.

banco ok. voltamos pro carro. mais gritaria porque viu o parquinho e se lembrou que tava muito muito bravo e lá vem um pouco de choro enquanto eu me dirigia ao correio. mas logo acabou, né. liguei o som e ele começou a dançar, etc.

na agência, ufa, vaga grande bem na frente.
entrei na agência, ufa, só duas pessoas na minha frente.
sentei o autran no banco, mas não, queria continuar correndo, gritando, rindo. todo mundo acha lindo, acha fofo. mas dá 1 segundo de descuido e esse menino ta na porta da agência indo pra rua. alcanço. ele tenta fugir de novo, alcanço. na quinta vez eu fico na porta da agência e não deixo ele sair. ele acha divertido, corre e ri tanto que cai no chão.
me chamam. sento ele no balcão e ele começa a se riscar com a caneta. desenho um relógio no pulso dele. nhó.

ele aperta um botão na máquina da moça e algo começa a imprimir.
ela ri e diz que tem uma filha de dois anos também. ufa, alguém ali me entendia.
autran começa a querer papéis, coisas importantes e acabo dando um grampeador pra ele brincar.

quando estou colocando o troco na carteira, ele atira o grampeador com força no chão.
que se quebra em 4 partes.
desço ele do balcão e começo a catar os pedacinhos do grampeador e quando levanto a cabeça, onde ele está?
na porta da agência.
dou o grampeador quebrado pra moça, peço desculpas e saio correndo.

consigo pegar ele na beira do meio-fio, quase indo pra rua.
coloco ele no carro, ligo o som, ele fica olhando pela janela e "cantando".

e eu pensando que puta mundo injusto e que não entende ABSOLUTAMENTE NADA de crianças quando dizem que criança de dois anos não merece fila preferencial.

2 de ago. de 2015

730 dias de peito.

às 5 da manhã autran acordou aos berros.
andou em direção à geladeira e abriu. sinal de que queria água. dei água, sonolenta. caiu um pouco no chão. ele bebeu bastante, "tadinho, tava com sede", pensei. apesar dele ter ficado a noite toda pendurado no peito.
mas ele continuou chorando. alto, desesperado. acordou pai, irmã, todo mundo de pé me perguntando o que ele tinha. não sei, ele está chorando. moisa assumiu e eu voltei a dormir.

não sei que horas ele veio pro peito. não sei que horas ele acordou de novo.
das 5hr às 9hr foi o tempo que eu dormi gostoso. o resultado foi uma enxaqueca matadora.

deitada no colchão, enquanto ele dançava uma música qualquer, me lembrei de toda a nossa história de amamentação.
então resolvi contar.


autran não mamou logo que nasceu.
ele veio pro meu colo, senti seu quentinho, o cheiro de vérnix, os olhos cerradinhos pela claridade do mundo. depois embrulharam numas cobertinhas e eu coloquei ele no peito. não quis. lambeu, cuspiu. nada daquele sugador ávido que eu esperava. começaram a me apressar pra levá-lo ao berçário, e ele foi.
muito frustrada; "ele não mamou na primeira hora de vida".
insisti em deixar o protocolo das 4 horas de observação de lado. cederam. uma hora depois do nascimento, senão menos, ele estava de volta.
e daí começou a nossa história.

autran chorou a primeira noite inteira.
enfermeiras entravam no quarto perguntando o que ele tinha. ele sugava o peito mas "nada" saía.
eu nunca vi a cor do meu colostro. ele não acertava a pega do seio direito, machucava. fiquei uma manhã inteira no berçário sendo ajudada por uma enfermeira. a pediatra falou pra dar chá com um pouco de açúcar pra ele não desidratar, a copeira me trouxe um copão de chá de erva-doce e dois sachês. peguei o chá pra mim e fui andar com ele pelo hospital. ele continuava chorando.
fomos pra casa.
a pega do seio direito ainda não estava 100%. os bicos começaram a arder.

a descida do leite veio 5 dias depois.

achei que com isso ele iria dormir melhor, chorar menos.
logo veio o primeiro pico de crescimento dele. a primeira crise de choro minha.
o baby blues bateu forte. me sentia sozinha, desamparada. sentia dor e muito cansaço.
peitos ingurgitados, mamilos rachados, frio.
apesar das milhares de leituras, o puerpério é barra pesada pra todo mundo.

passou um mês, dois, e a pega do seio direito ainda era problema.
de repente, ele passou a não querer mais. no cansaço, na preguiça, fui deixando. ordenhava, congelava e a vida continuava. quando percebi, há semanas que estavávamos na amamentação unilateral.
resolvi agir. pesquisa, conversa, leitura... tentei todas as posições possíveis. aos poucos aceitou o peito direito deitado, enquanto dormia. foi quando aprendi a amamentar deitada.
passei a dar o peito direito durante a noite e o esquerdo durante o dia.
depois desse padrão estabelecido, passei a oferecer o peito direito com ele sentadinho de frente. aceitou.
a pega do peito direito só foi ficar tranquila quando ele começou a sentar e procurar sozinho posições confortáveis pra mamar.
por ficar tanto tempo mamando num peito só, senti dor nos mamilos até os 4 meses.

a frequência das mamadas sempre foi muito grande.
essa foi, aliás, a grande surpresa e "dificuldade" pra mim. ter um filho que exigisse tanto de mim, que fosse tão drenador, tão necessitado de contato físico, tão mamador... nunca me passou pela cabeça.
as demandas do autran foram MUITO estressantes no começo.
tão estressantes que eu sentia que ia enlouquecer a qualquer momento. era 24 horas com ele no colo, no peito. vinte quatro horas sim, porque nós dormíamos juntos. cama compartilhada não foi somente uma escolha e uma consequência da criação com apego, foi questão de sobrevivência, de sanidade mental.
tão estressantes que sucumbimos à chupeta por algumas semanas entre o terceiro e o quarto mês. ele usava pra dormir e para viajar. tiramos quando eu saí de férias da faculdade. criar um bebê high need sem chupeta é viver no limite. mas quando a fase da sucção passa e ele cresce, vira uma vitória pessoal comemorada todos os dias.

a livre demanda, que por vezes chamei de livre escravidão.
sentar no sofá com o bebê no peito, ligar o primeiro senhor dos anéis, versão estendida, e ainda estar sentada no sofá com o bebê no peito quando termina o terceiro filme do senhor dos anéis, versão estendida. você apenas se levantou pra fazer xixi e beliscar um lanche. toma banho junto com o bebê, e vai pra cama com ele.
autran mamou, literalmente, o quanto e quando quis desde sempre.
enfiei na cabeça que o sucesso da amamentação seria a livre demanda, e me apeguei a ela.
teve arrependimento, teve horas de pedir "por favor, para de mamar um pouco, me dá um descanso". mas ele nunca deu.

autran nunca teve cólica.
mamou exclusivamente no peito até os 6 meses.
pegou um único resfriado aos 11 meses.

autran hoje tem 2 anos.
ainda mama durante a noite.
ainda dorme mamando.
ainda quer peito depois de cada refeição.
quando ele se sente inseguro, assustado ou cansado, é o peito que ele procura.
ainda hoje, quando ele fica muito tempo sem mamar, vaza um pouco de leite.


não tive uma grande rede de apoio na minha história de amamentação. muitos a consideram de sucesso, inclusive eu. problemas tive, os comuns e esperados. especialmente o cansaço.

porém tive uma grande persistência, uma crença enorme na livre demanda e um desejo imensurável de não repetir erros.
luana não mamou por ignorância e desinformação.
autran chegou e me tirou esse vácuo do peito.